Mudanças conduzidas por João Roma e Hugo Motta abriram e ampliaram o consignado no Auxílio Brasil. Já ministro, Ronaldo Vieira Bento comandou a implantação das regras que concentraram empréstimos em período eleitoral, antes de atuar para o ecossistema do Banco Master.
Por Diego Feijó de Abreu | Revista Fórum
A abertura e o reforço do crédito consignado sobre o Auxílio Brasil não foram um ato isolado. Eles resultam de uma sequência de decisões políticas no Congresso e no Executivo, em que aparecem, em momentos diferentes, os nomes do então ministro João Roma, do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) e, na fase de implementação, do hoje ex-ministro Ronaldo Vieira Bento, que depois assumiria cargos em empresas ligadas ao Banco Master.
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| Hugo Motta, Tarcísio, João Roma e Bolsonaro com Auxílio Brasil, e Ronaldo Bento | Créditos: Agência Brasil / PR |
Essa engenharia legislativa e administrativa abriu caminho para que bancos e financeiras avançassem sobre benefícios sociais em ano eleitoral. Mais tarde, uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) mostraria que a oferta de consignado no Auxílio Brasil se concentrou justamente entre o 1º e o 2º turnos de 2022, com milhares de beneficiários sofrendo descontos irregulares em seus pagamentos.
Roma mexe na lei para aumentar espaço do consignado
O primeiro movimento importante foi feito pelo então ministro da Cidadania, João Roma, na condição de deputado e relator da Medida Provisória que criou um benefício extra para quem recebia o Auxílio Brasil (MP 1076/21). Em parecer registrado pela Agência Câmara, Roma alterou o texto para permitir que esse benefício complementar passasse a integrar o conjunto de benefícios da Lei 14.284/21, que instituiu o programa.Segundo a própria Agência Câmara, o relator explicita a lógica da mudança: a inclusão tinha o objetivo de “aumentar o valor de empréstimo que o beneficiário pode obter dando como garantia os valores a receber na modalidade de crédito consignado”, autorizada pela MP 1106/22. Na prática, Roma ajudou a desenhar uma base legal mais ampla para que famílias pobres usassem parte maior dos benefícios como garantia de empréstimos.
Em paralelo, outras decisões no Congresso ampliavam o espaço do consignado. A própria MP 1106/22 elevou margens para trabalhadores formais, aposentados, beneficiários do BPC e programas sociais, liberando até 40% ou 45% da renda para operações consignadas, conforme o grupo, segundo registros do Senado e de veículos especializados.
Hugo Motta e o “Auxílio permanente” com piso de R$ 400
Sobre esse terreno, entra a atuação do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), hoje presidente da Câmara e líder do partido ao qual Ronaldo Bento se filiou depois de deixar o governo. Em abril de 2022, a Câmara aprovou emenda de Motta à MP 1076/21 para tornar permanente o Auxílio Brasil com piso de R$ 400, como registram o site oficial do parlamentar e publicações do próprio Republicanos.O discurso público exaltava a “vitória do povo pobre” e a garantia de renda mínima, mas, combinada à engenharia feita por Roma, a medida também consolidou um piso de benefício maior que poderia ser usado como lastro para empréstimos consignados. Quanto maior o valor garantido, maior o potencial de endividamento formalizado em contratos com bancos e financeiras.
Embora o caráter permanente do Auxílio Brasil também esteja ligado à Emenda Constitucional 114/2021, o movimento de Motta deu forma política e narrativa à medida, em um momento em que o governo Bolsonaro tentava reduzir o desgaste com o fim do Bolsa Família e sinalizar estabilidade de renda em ano eleitoral.
Ronaldo Bento assume o Ministério e leva o desenho à prática
Em meio a esse rearranjo, João Roma deixa a Cidadania para disputar o governo da Bahia e anuncia publicamente seu substituto: Ronaldo Vieira Bento, até então chefe da Assessoria Especial de Assuntos Estratégicos do ministério. “O nome do meu substituto será o Ronaldo Vieira Bento, que é o atual secretário de Assuntos Estratégicos do Ministério da Cidadania”, disse Roma em março de 2022.Como ministro, Bento passa a comandar justamente a pasta responsável por implantar o Auxílio Brasil reforçado e as novas regras de crédito. Sob sua gestão, o Ministério da Cidadania edita a regulamentação que viabiliza na prática o empréstimo consignado para beneficiários do Auxílio Brasil, liberando o caminho para que bancos e financeiras ofertem o produto em massa – movimento acompanhado de perto pela Revista Fórum e criticado em reportagens como “bancos privados rejeitam armadilha de Bolsonaro aos pobres no consignado do Auxílio Brasil” e em textos que reúnem a cobertura sobre crédito consignado e Auxílio Brasil.
Enquanto a Caixa Econômica e outros agentes começavam a ofertar o produto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União pediu a suspensão do consignado do Auxílio Brasil, alegando risco de uso eleitoral e de superendividamento de famílias pobres. A Fórum noticiou a iniciativa em reportagem intitulada “MP solicita suspensão de crédito consignado do Auxílio Brasil ao TCU”, que inseriu a medida no rol de ações consideradas eleitoreiras pelo bolsonarismo.
A conta chega: 93% dos contratos em outubro e descontos irregulares
Em setembro de 2023, já no governo Lula, a CGU concluiu auditoria sobre o consignado do Auxílio Brasil. Segundo o relatório, 93% dos contratos foram firmados em outubro de 2022, exatamente entre o 1º e o 2º turnos da eleição presidencial. O órgão identificou cerca de R$ 8 milhões em potenciais descontos indevidos sobre benefícios e estimou que mais de 56 mil famílias foram afetadas por problemas como descontos sem contratação válida ou acima da margem consignável.O relatório destaca que a concentração temporal das contratações – imediatamente após a regulamentação e às vésperas do pleito – levanta suspeitas de uso eleitoral da política pública. Por isso, as informações foram encaminhadas ao Tribunal Superior Eleitoral para análise sobre eventual abuso de poder político e econômico.
A CGU não atribui responsabilidade individual a João Roma, Hugo Motta ou Ronaldo Bento, mas deixa claro que o desenho conjunto – mudanças legais no Congresso, ampliação de margens e regulamentação da Cidadania – criou um ambiente em que milhões de reais em benefícios sociais serviram de combustível para uma ofensiva de consignados em um público extremamente vulnerável.
Depois do Ministério, o salto para o ecossistema Master
Passado o ciclo eleitoral e encerrado o governo Bolsonaro, o ex-ministro Ronaldo Vieira Bento deixou o cargo em janeiro de 2023, chegou a receber remuneração de quarentena da União e, meses depois, filiou-se ao Republicanos, partido de Hugo Motta e do governador paulista Tarcísio de Freitas.A partir de 2024, documentos da Junta Comercial e bases públicas passam a registrar seu nome como administrador da Mettacard Administradora de Cartões, empresa que oferece cartão de benefício consignado e cuja marca é licenciada ao Banco Master, conforme política de privacidade da própria Mettacard. Na loja Google Play, o aplicativo METTAcard aparece com Banco Master S/A como desenvolvedor, com endereço de escritório em Botafogo (RJ) e e-mail de contato do banco, evidenciando a integração tecnológica entre as duas estruturas.
Em 2025, registros societários indicam que Bento assume também a diretoria da NK 031 Empreendimentos e Participações e do Banco Pleno S.A., instituição originada a partir do antigo Banco Voiter na reestruturação do conglomerado Master, que posteriormente teve sua liquidação extrajudicial decretada pelo Banco Central em meio à Operação Compliance Zero.
Especialistas em integridade pública ouvidos pela Fórum veem nesse percurso um caso emblemático de porta giratória: Roma e Motta patrocinam mudanças legais que ampliam o espaço do consignado; Bento, como ministro, coordena a regulamentação que leva à explosão de contratos em contexto eleitoral; e o mesmo ex-ministro, pouco tempo depois, passa a atuar na administração de empresas que exploram justamente esse mercado, em especial o consignado para servidores públicos e beneficiários de políticas sociais.
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