Os Fios Ocultos da EMAE

A campanha de privatização de Tarcísio expôs ligações inesperadas entre a concessionária de energia, Phoenix, e o império financeiro de Daniel Vorcaro.


Por André Vieira | Brazil Stock Guide

A saga da EMAE — envolvendo a concessionária de energia que atende a Grande São Paulo — tornou-se um estudo de caso de como privatizações mal calibradas podem voltar para assombrar os próprios governos que as defendem. Vendida em agosto de 2024 para o fundo Phoenix, parte do ecossistema financeiro que orbita o conglomerado Master — agora liquidado pelo Banco Central do Brasil — a empresa teve que ser resgatada um ano depois pela Sabesp, recém-privatizada sob o governo Tarcísio de Freitas. O que deveria simbolizar o dinamismo do setor privado se transformou em uma aquisição de último recurso após a Phoenix entrar em calote e suas ações garantidas serem executadas, desencadeando uma mudança de controle.

Os fios ocultos que conectam a primeira privatização de Tarcísio ao Master

Com o colapso de Master, as ondas de choque se espalharam por todos os negócios do grupo — e os laços da EMAE com o conglomerado se mostraram mais diretos do que se pensava inicialmente. Antes de perder o controle, a empresa havia alocado quase 6% de seus ativos para certificados de depósito não garantidos emitidos pelo Letsbank, outra entidade vinculada ao Master desmantelada durante a intervenção. Mais de R$140 milhões agora estão congelados.

A EMAE afirma ter liquidez suficiente para operar normalmente, mas o episódio expõe o flanco mais vulnerável de todo o processo: um ativo estratégico colocado simultaneamente à mercê de um acionista inadimplente e de um banco cuja solidez evaporou sob escrutínio. A venda foi anunciada — com os golpes enfáticos do governador no leilão do B3 — como prova de "agilidade de mercado". O resultado mostrou o oposto: uma falha no diagnóstico.

A entrada de R$1,13 bilhão da Sabesp criou um desfecho paradoxal: a EMAE passou de um controlador privado incapaz de cumprir a primeira obrigação financeira para outra empresa privada que, até recentemente, era de propriedade estatal. Para o governo de São Paulo, o acordo reforça a lógica de integrar água e energia em uma estratégia apresentada como tecnicamente sólida. No entanto, por trás dessa justificativa pública está uma pergunta desconfortável: como um processo supostamente robusto permitiu a entrada de um controlador cuja solvência colapsou antes que a tinta do contrato secasse?

Há também uma dimensão social amplamente negligenciada. Fabiano Campos Zettel — pastor evangélico e advogado que lidera uma igreja influente em Belo Horizonte e é casado com a irmã mais nova de Daniel Vorcaro — tornou-se em 2022 um dos maiores doadores privados para campanhas políticas, incluindo uma contribuição legal de R$2 milhões para Tarcísio de Freitas, para quem foi o principal doador. Ele não é alvo das investigações sobre Vorcaro. Mas o arranjo ilustra que o universo em torno de Master é mais amplo, mais interconectado e mais opaco do que as narrativas oficiais sugerem. A lição permanece: o problema da EMAE não era apenas quem comprava, mas quem podia comprá-lo. E o trabalho de entender o que falhou — e por quê — está apenas começando.

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