Dino alerta para uso de emendas Pix para shows: "é um ponto de atenção"

Só em Minas, o mecanismo financiou R$ 34,9 milhões só em eventos do tipo, como mostrou o EM na semana passada


Gabriel Ronan | Estado de Minas

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), alertou para o uso de emendas Pix para o financiamento de eventos, especialmente shows, em audiência pública na manhã desta quinta-feira (23). Como o Núcleo de Dados do Estado de Minas mostrou na semana passada, deputados e senadores mineiros enviaram R$ 34,9 milhões às cidades para financiamento de apresentações musicais, por meio das chamadas transferências especiais.

Para o ministro, a transparência e rastreabilidade sobre emendas Pix precisam ser ampliadas para estados e município | Gustavo Moreno/STF

"Há muita notícia de eventos que não se realizam. Semana das crianças, mas sem crianças, sem boneca, sem bola, sem carrinho... Semana do Idoso... E os shows? Muitos shows, que acontecem sabe Deus, sabe o diabo, como", afirmou Dino na audiência.

A agenda teve o objetivo de fazer um diagnóstico sobre as medidas tomadas pelas autoridades para ampliar a transparência e a rastreabilidade das emendas parlamentares, sobretudo as emendas Pix. O encontro contou com a participação de servidores da Advocacia-Geral da União (AGU), da Procuradoria-Geral da República (PGR), do Tribunal de Contas da União (TCU), da Controladoria-Geral da União (CGU) e de bancos públicos. Advogados do Senado e da Câmara também marcaram presença.

O uso das emendas Pix para financiamento de shows não é, necessariamente, irregular. No entanto, chama atenção a realização de eventos de elevado preço em cidades de pequeno porte, entre essas prefeituras vulneráveis socialmente.

Entre os casos revelados pelo EM estão os dos shows realizados sem prestação de contas. Somadas, as 33 apresentações artísticas sem rastreabilidade ocorridas em Minas torraram R$ 5,99 milhões em dinheiro público.

Entre os shows sem qualquer rastro de transparência está o mais caro realizado no estado desde 2023 com emendas Pix: uma performance do cantor Wesley Safadão em Itabirinha, cidade de aproximadamente 10 mil habitantes, no Vale do Rio Doce.

O evento, ocorrido neste ano, custou R$ 855 mil aos cofres públicos. O município tem IDH de 0,653, de acordo com o Censo de 2010 (os dados do último Censo ainda não foram divulgados), índice que o coloca em patamar parecido com o de países como a República do Congo, Honduras e Guatemala.

A lista de shows bancados com emendas Pix, mas sem transparência, também conta com outros artistas de renome nacional. A dupla sertaneja Maiara e Maraísa soltou a voz em Gurinhatã, no Triângulo Mineiro, ao custo de R$ 604 mil no ano passado. O mesmo vale para duas apresentações em Sobrália, no Vale do Rio Doce: uma do cantor Leonardo (R$ 570 mil) e outra da artista Mari Fernandez (R$ 480 mil).

Em Sobrália, inclusive, há uma emenda já paga para financiamento de uma apresentação milionária no ano que vem, no 24º Festival do Leite da cidade. O sertanejo Gusttavo Lima receberá R$ 1,1 milhão em emenda Pix para se apresentar no município de 5 mil habitantes. O IDH desta cidade é de 0,631, inferior ao de Itabirinha, o que a coloca em patamar parecido com os índices de Quênia, Gana e Timor-Leste.

Diagnóstico

Para além dos eventos, Flávio Dino e outros servidores dos órgãos citados apresentaram um avanço significativo na prestação de contas de emendas Pix enviadas aos municípios entre 2020 e 2024. A partir deste ano, o ministro do STF obrigou a apresentação e aprovação de um plano de trabalho prévio pelas prefeituras, explicando como e onde aquele dinheiro será aplicado.

No entanto, o ministro tem feito esforços para garantir a mesma transparência às emendas anteriores, que chegavam às cidades sem qualquer delimitação de empenho anteriormente. “A emenda Pix ia na frente, sem essa previsão do plano de trabalho. Nós não dispensamos mais o plano de trabalho. Esse é um passivo indeclinável. É dever de ofício, não opção. Por vezes, até no debate público e nos meios de comunicação, a gente ouve que ‘o que está para trás, foi’. [...] Se fosse o dinheiro de um de nós, certamente. Mas, com o dinheiro público, impossível. Não cabe ao Supremo fazer algum tipo de anistia ou lavagem”, disse.

Entre os dados apresentados pelas autoridades está a queda das emendas Pix sem plano de trabalho, ou seja, aquelas que foram efetivamente gastas pelas prefeituras, mas que não houve qualquer sinalização do encaminhamento do dinheiro.

Antes dos esforços de Flávio Dino, o Brasil tinha quase 8 mil planos de trabalho de emendas Pix não cadastrados, o que representava cerca de um quarto do total de encaminhamentos aos municípios. Hoje, conforme a última atualização do TCU, esse dado caiu para 964, cerca de 3% do total de 35 mil emendas.

Ainda assim, Flávio Dino afirmou que há desafios a serem superados para garantir maior transparência. Mesmo com o envio dos planos de trabalho, muitas prefeituras ainda não tiveram suas documentações efetivamente aprovadas. Ou seja, o envio do planejamento é um avanço. O próximo passo é verificar se aquela documentação segue os preceitos definidos pela lei ou não.

“Nós tivemos, progressivamente, esse indicador positivo de redução dos planos não cadastrados. Daí, a preocupação agora é com a fase seguinte. Os dados mostram que temos 23.770 planos enviados para análise e 7.177 em complementação, em diligência. Os aprovados, desse conjunto de 35 mil, são apenas 2.993, mostrando o desafio da hora presente. [...] Aí sim, estamos no paleolítico. Estamos muito atrasados”, afirmou.

Além disso, para o ministro, a transparência e rastreabilidade sobre emendas Pix precisam ser ampliadas para estados e municípios, que também mantêm mecanismos semelhantes. "Há um apelo para cooperação federativa. Não podemos aceitar práticas deletérias no nível sub-nacional", disse.

Contexto

A dedicação de Flávio Dino às emendas Pix passa pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 854, protocolada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).

A entidade argumentou que o Congresso e o Poder Executivo não estão cumprindo a decisão do STF que colocou fim ao chamado "orçamento secreto" — pelo qual emendas eram protocoladas e pagas sem regras de transparência, e cuja destinação dos recursos era igualmente pouco clara.

Em dezembro de 2022, a partir de ação protocolada pelo Psol, a Corte entendeu que esse "orçamento secreto" era inconstitucional.

Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para suas escolhas políticas

0/Post a Comment/Comments

Grato por sua colaboração.