DenĂșncia de Nikolas contra Duda Salabert se baseou em grupo investigado pela PF

Contråria à mineração na Serra do Curral (MG), Duda Salabert (PDT) foi denunciada por Nikolas Ferreira (PL) à Polícia Federal com base em dados fornecidos por grupo acusado de fraudar licenças ambientais em MG, no ùmbito da Operação Rejeito


Por Daniel Camargos | RepĂłrter Brasil

DE BELO HORIZONTE (MG) — Uma denĂșncia apresentada em novembro de 2024 pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) contra a colega de CĂąmara Duda Salabert (PDT-MG) Ă  PF (PolĂ­cia Federal), por suposto uso indevido do fundo eleitoral, foi alimentada por integrantes do grupo investigado na Operação Rejeito, deflagrada na semana passada. A informação consta de interceptaçÔes telefĂŽnicas e relatĂłrios da prĂłpria PF, anexados ao inquĂ©rito.

Deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) protocolou denĂșncia na PF contra deputada Duda Salabert (PDT-MG) baseado em dados repassados por grupo investigado por fraudes em licenciamento ambiental; deputada se opĂ”e a atividade minerĂĄria na Serra do Curral, em Belo Horizonte (Foto: Kayo MagalhĂ”es /CĂąmara dos Deputados)

AtĂ© agora, a operação jĂĄ prendeu 22 pessoas, incluindo empresĂĄrios, polĂ­ticos e agentes pĂșblicos. A investigação aponta um esquema bilionĂĄrio de corrupção no setor de mineração em Minas Gerais, com fraudes em licenciamento, corrupção de servidores e lavagem de dinheiro.

Segundo os documentos, a ofensiva contra Duda Salabert teria sido iniciada apĂłs um ofĂ­cio enviado pela deputada Ă  ANM (AgĂȘncia Nacional de Mineração), em 17 de julho de 2023. No documento, ela solicitava a fiscalização e a paralisação imediata das atividades minerĂĄrias na Serra do Curral, cartĂŁo postal de Belo Horizonte (MG). Empresas como Gute Sicht e Fleurs Global, ambas ligadas ao grupo investigado pela PF, sĂŁo mencionadas no ofĂ­cio.

Prints de conversas de Whatsapp anexados ao inquérito mostram que o documento foi repassado pelo diretor de procedimentos minerårios da ANM, Guilherme Santana Lopes Gomes, ao ex-deputado estadual pelo MDB João Alberto Paixão Lages. Ambos estão presos preventivamente.

Conforme a PF, Gomes seria o responsåvel por enviar informaçÔes privilegiadas da ANM ao grupo criminoso. Lages, por sua vez, atuaria como articulador político, usando sua rede de contatos para defender os interesses da organização.

A defesa de Lages afirmou à reportagem que só se pronunciaria em juízo. Os advogados de Gomes não foram encontrados até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto caso desejem se manifestar.

A RepĂłrter Brasil entrevistou o advogado Thiago Rodrigues de Faria, assessor jurĂ­dico de Nikolas Ferreira. Faria disse Ă  reportagem que foi ele prĂłprio quem elaborou a denĂșncia protocolada pelo deputado do PL contra Duda Salabert na PolĂ­cia Federal, com base em informaçÔes enviadas por um dos presos na Operação Rejeito. Faria afirma ainda que Nikolas Ferreira “nĂŁo tem qualquer relação com o grupo investigado”. 

Procurada, Duda Salabert ainda nĂŁo se pronunciou. O texto serĂĄ atualizado caso a deputada envie um posicionamento.

Duda Salabert virou alvo de grupo investigado pela PF

Ao se opor à atividade mineråria na Serra do Curral, a deputada teria se transformado em alvo do grupo. Em maio de 2024, por exemplo, ela publicou um vídeo em que, durante a madrugada, flagrava caminhÔes retirando minério irregularmente da serra.

InterceptaçÔes jå registravam ataques à deputada feitos desde dezembro de 2022 por Gilberto Henrique Horta de Carvalho, empresårio também preso com a deflagração da operação.

Em mensagens reproduzidas no inquĂ©rito, Carvalho aparece reclamando que a deputada atrapalharia os negĂłcios da mineração. De forma pejorativa, o empresĂĄrio refere-se a Duda — mulher trans e ambientalista — como “travestida”.

Carvalho é apontado como operador do esquema, e seria o responsåvel por intermediar negócios entre empresårios, autoridades e órgãos de controle. InterceptaçÔes mostram que ele atuaria como lobista na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, tentando barrar projetos de proteção da Serra do Curral, como o PL 1449/23, da deputada Beatriz Cerqueira (PT). Em uma conversa com João Lages, Carvalho disse que pediria vista do projeto no gabinete do deputado Bruno Engler (PL), como forma de atrasar a tramitação.

Muito próximo de lideranças do PL, Carvalho jå atuou como assessor parlamentar do vereador Uner Augusto (PL) e da coronel Clåudia Romualdo, candidata a vice na chapa de Engler à Prefeitura de Belo Horizonte em 2024.

Procurada, a defesa de Carvalho não respondeu às perguntas enviadas até o momento da publicação. O texto serå atualizado se um posicionamento for recebido pela reportagem.

Carvalho tambĂ©m recebeu apoio pĂșblico de nomes da direita, como o deputado Nikolas Ferreira, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos), quando foi candidato Ă  presidĂȘncia do Crea-MG (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais), segundo revelou a RepĂłrter Brasil.

DenĂșncia contra Duda Salabert foi protocolada em novembro de 2024

Em 8 de outubro de 2024, as movimentaçÔes contra a deputada Duda Salabert se intensificaram. Trocas de mensagens mostram que Carvalho enviou ao delegado federal Rodrigo Teixeira, ex-superintendente da PF em Minas, prints de gastos da campanha de Duda, afirmando: “Duda Salabert recebeu R$ 8 milhĂ”es para a campanha e gastou R$ 5 milhĂ”es somente com a empresa desse ex-assessor. CoincidĂȘncia, nĂ©?”

Teixeira respondeu: “Vai ter que explicar a coincidĂȘncia…”

Teixeira estå preso preventivamente desde a deflagração da operação. A PF o aponta como facilitador da organização dentro da corporação, atuando para beneficiar interesses do grupo em investigaçÔes e processos administrativos.

A reportagem ligou para o escritório de advocacia responsåvel pela defesa do delegado, mas ninguém atendeu a ligação. O espaço segue aberto para manifestação.

A denĂșncia contra Duda foi protocolada por Nikolas um mĂȘs depois do diĂĄlogo com o delegado, em 14 de novembro de 2024, em Belo Horizonte. O documento acusava Duda de desviar recursos do fundo eleitoral para empresas de um ex-assessor, em valores superiores a R$ 5 milhĂ”es.

A denĂșncia foi noticiada por veĂ­culos como RĂĄdio Itatiaia, MetrĂłpoles e O Globo. Na ocasiĂŁo, Duda negou qualquer irregularidade, afirmou que todas as contrataçÔes de campanha foram legais e que suas contas foram devidamente prestadas.

O grupo investigado pela Operação Rejeito continuou acompanhando o caso mesmo apĂłs o protocolo da denĂșncia. Em 22 de novembro, JoĂŁo Alberto Lages telefonou para o delegado Teixeira e, logo depois, enviou o nĂșmero do protocolo registrado.

As interceptaçÔes tambĂ©m revelam que JoĂŁo Alberto Lages acionou um outro delegado da PF, primo dele. Em mensagem, o delegado respondeu compartilhando links de reportagens sobre o caso e comentou: “Bom demais! Pena que o chefe da Delinst Ă© petista”.

Assessor de Nikolas confirma que recebeu informação de investigados

O coordenador da assessoria jurĂ­dica de Nikolas Ferreira, Thiago Rodrigues de Faria, disse Ă  RepĂłrter Brasil que elaborou a denĂșncia protocolada por Nikolas contra Duda Salabert na PolĂ­cia Federal.

“O JoĂŁo Alberto Lages nos encaminhou essas informaçÔes [contra Duda], como outros fazem. Achei estranho o conteĂșdo e protocolei junto Ă  PF. Isso nĂŁo tem nada a ver com atender a interesses de grupo”, entende Faria.

Para o assessor, o procedimento seguiu o padrĂŁo habitual do gabinete. “Recebo denĂșncias de todo o Brasil. Como chefe jurĂ­dico, encaminho tudo que tem indĂ­cio de irregularidade aos ĂłrgĂŁos competentes”, explicou.

Faria sustenta ainda que Nikolas “nĂŁo tem qualquer relação com o grupo investigado”.

O advogado responsĂĄvel pela assessoria jurĂ­dica de Nikolas afirma que mantinha uma relação de amizade com Carvalho, dizendo tĂȘ-lo conhecido em eventos da direita. Segundo Faria, a aproximação se deu tambĂ©m por sua atuação no campo do direito.

Sobre João Alberto Lages, Faria disse que o conhecia de forma superficial, por jå ter advogado para um conhecido dele, hå quatro anos, mas afirmou que não mantinha relação próxima com o ex-deputado estadual.

O nome de Faria também aparece no inquérito em documentos sobre a negociação dos direitos minerårios da Topåzio Imperial Mineração. A transação é investigada pela PF por indícios de fraude.

O advogado confirma a intermediação da venda, mas nega irregularidades em sua atuação. “É uma ĂĄrea disponĂ­vel no mercado. Gilberto [Carvalho] me apresentou a proposta, e eu a ofereci a alguns grupos. Como advogado, posso intermediar esse tipo de negociação. Tudo com nota fiscal e dentro da legalidade”, afirmou Faria.

O advogado reforçou que atua regularmente como advogado, com escritĂłrio e registro na OAB. Segundo ele, a atividade nĂŁo entra em conflito com sua função de assessor jurĂ­dico de Nikolas Ferreira. Especialista em direito minerĂĄrio, Faria recebe salĂĄrio de R$ 17,2 mil no gabinete de Nikolas. “Se alguĂ©m cometeu crime, tem que ser investigado. Estou tranquilo e pronto para colaborar”, afirma.

Disputa política começou na Cùmara Municipal de Belo Horizonte

Nikolas e Duda iniciaram juntos a carreira polĂ­tica. Ambos foram eleitos para a CĂąmara Municipal de Belo Horizonte em 2020 — Duda como a vereadora mais votada da histĂłria da cidade e Nikolas como o segundo colocado. 

Em 2022, ambos migraram para a Cùmara dos Deputados, em Brasília. Nikolas se elegeu como o deputado federal mais votado do Brasil e se consolidou como um dos principais nomes da direita no país. Jå Duda ganhou projeção nacional por sua atuação em defesa do meio ambiente, tendo a Serra do Curral como uma de suas principais bandeiras.

Em 2024, ela disputou a Prefeitura de Belo Horizonte e terminou em 5Âș lugar. Os embates entre os dois parlamentares sĂŁo frequentes desde o inĂ­cio da carreira, incluindo açÔes judiciais. Duda jĂĄ venceu processos contra Nikolas, como o movido apĂłs ele afirmar, em entrevista, que se recusava a tratĂĄ-la com pronomes femininos.

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