MPF move ação para impedir privatização da praia da Barra da Tijuca (RJ) e pede demolição de estruturas irregulares

Estabelecimentos avançam ilegalmente sobre área de uso comum do povo e de domínio da União; ação também pede reparação ambiental


Procuradoria da República no Rio de Janeiro

O Ministério Público Federal (MPF) entrou na Justiça para impedir a ocupação irregular e a privatização da faixa de areia da Praia da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. A ação é contra três quiosques e a Associação Carioca de Kitesurf (ACK), além de pedir a responsabilização do município do Rio de Janeiro, da União e da concessionária Orla Rio por omissão na fiscalização e no dever de guarda do patrimônio público. O MPF requer, liminarmente, a retirada imediata do mobiliário e dos acessórios instalados sobre a areia, que configuram uso privado do bem público.

Praia da Barra da Tijuca/RJ. Foto: Bruna Prado/MTUR/Flickr MTur Destinos

No pedido liminar, o MPF pede a remoção de decks móveis, sofás, ombrelones, mesas, cadeiras, vasos, geladeiras, banheiros químicos e até o gramado artificial que cobre trechos da areia. O material esportivo, por ora, poderá ser armazenado apenas nos subsolos do calçadão, estruturas cuja construção, segundo laudo do MPF, exige atenção devido à instabilidade e ao risco geológico em área de praia, e que já foram alvo de notificações por irregularidade.

No mérito, a ação civil pública busca a demolição de todas as construções irregulares e a apresentação de um Plano de Recuperação de Área Degradada (Prad) para restaurar a faixa de vegetação de restinga, classificada como área de preservação permanente. “Não podemos admitir que um bem público seja apropriado de forma ilegal e excludente. A praia é de todos, e a lei deve ser cumprida”, enfatizou o procurador da República Renato Machado, autor da ação.

Avanço irregular 

A investigação teve início a partir de um inquérito civil público que apurou a instalação de estruturas sobre a faixa de areia, área de uso comum do povo e domínio da União, dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) da Orla Marítima. Relatórios de vistoria da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Smac) e laudos técnicos (Laudo Técnico nº 679/2025 – ANPMA/CNP) confirmaram que houve supressão da vegetação nativa de restinga para instalação dos quiosques e clubes de kitesurf, com estruturas permanentes que avançaram sobre o areal e impediram a regeneração natural da área.

Segundo os laudos, a área ocupada, que nos anos 1990 era totalmente coberta por vegetação de restinga, foi completamente transformada até 2025, com a instalação de decks, lounges, mobiliário, tapetes de grama sintética e até banheiros. O aumento da área construída chegou a ser até 15 vezes maior que a dos antigos quiosques, sem qualquer respaldo legal ou autorização da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). As vistorias confirmaram ainda a ocupação da faixa de areia com estruturas de madeira utilizadas para armazenar pranchas (guarderias), além de mesas, cadeiras e áreas de lounge.

“Os beachclubs não são destinados ao público em geral frequentador da orla, e seguem um modelo importado da Europa, onde as praias são privadas, o que não se coaduna com o sistema jurídico brasileiro”, afirmou o procurador.

Risco de privatização 

Na ação, o MPF sustenta que a ocupação da praia viola a Constituição Federal, que garante o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito de todos e classifica a zona costeira como patrimônio nacional.

A legislação brasileira determina que as praias são bens públicos de uso comum, sendo assegurado o livre acesso a elas, e proíbe qualquer forma de ocupação do solo que dificulte ou impeça esse acesso. A faixa de areia é, ainda, considerada Área de Preservação Permanente (APP).

O MPF destaca que a Lei Municipal nº 1.272/1988, que criou a APA da Orla Marítima, veda “qualquer tipo de construção de caráter permanente, provisório ou desmontável com finalidade comercial” na faixa de areia. O Decreto Municipal nº 41.314/2016 permite apenas a instalação de guarderias de material esportivo junto aos quiosques, e não na faixa de areia, mediante prévia aprovação de projetos ambientais, o que não ocorreu no caso.

Para o procurador Renato Machado, as estruturas de lounges e guarderias para uso exclusivo de clientes configuram uma inaceitável privatização de um bem público. Ele aponta que, além de ferir a legislação, os beachclubs promovem tratamento desigual: “Enquanto o decreto proíbe o uso de caixas de som por banhistas, os beachclubs realizam eventos com DJs e música alta com autorização da prefeitura, criando um ambiente de exclusividade”, observa.

Para Machado, “o que está acontecendo na Barra da Tijuca é uma verdadeira privatização da praia, bem público de uso comum, em afronta direta à legislação ambiental e ao direito de todos ao acesso livre e irrestrito ao litoral”.

Responsabilidade 

A ação pede que todos os réus sejam condenados de forma solidária a remover as construções, restaurar a área degradada e se abster de autorizar novas intervenções na faixa de areia. A responsabilidade é objetiva, o que significa que independe de culpa, conforme a legislação ambiental. O município e a União são co-responsáveis por omissão no dever de fiscalizar.

O MPF também solicita a inversão do ônus da prova, conforme a Súmula 618 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Essa medida transfere aos responsáveis o dever de provar que suas atividades não causaram danos ambientais, em consonância com o princípio da precaução.

Os quiosques QB 07-AB, QB 08-AB e QB 09-AB — conhecidos como MC Kitepoint Rio, K08 Bar e Lanchonete e Clássico Beach Club — já enfrentam diversas autuações municipais por infrações ambientais, desde 2006.

Defesa das praias 

A ação na Barra da Tijuca integra uma série de medidas adotadas pelo MPF para proteger o meio ambiente e assegurar o livre acesso às praias do estado. A atuação visa coibir construções irregulares e recuperar áreas degradadas. Entre os exemplos da atuação do MPF estão:A demolição de construções irregulares na Praia da Apara, em Mangaratiba, onde o MPF obteve sentença responsabilizando os proprietários pela remoção e pela recuperação integral da Área de Preservação Permanente.

A celebração de Termos de Ajuste de Conduta (TACs) para recuperar áreas degradadas e regularizar quiosques, como ocorreu na Praia da Reserva, onde um estabelecimento estava em reforma sem licença ambiental, causando danos à vegetação de restinga.

Decisões judiciais que determinaram a retirada de barreiras (portões, cancelas e guaritas) que impediam a entrada de banhistas nas praias das Conchas, Boca da Barra/Ilha do Japonês e Brava, em Cabo Frio.

A recomendação para retirada de estruturas físicas indevidamente colocadas na Praia do Foguete, orientando a recuperação da área.
Em maio, o MPF ajuizou ação civil pública para impedir a ocupação irregular na faixa de areia das Praias de Ipanema e do Leblon. A ação tem como alvos três estabelecimentos, o município do Rio de Janeiro e a União.

Em 2022, o MPF já havia obtido na Justiça uma liminar para obrigar a prefeitura a fiscalizar os quiosques da orla e apresentar relatórios individualizados com fotos. Diante da omissão do município em atender o comando judicial, o MPF chegou a pedir multa pessoal ao então secretário de Meio Ambiente

“A omissão da Secretaria Municipal de Meio Ambiente em realizar a ação fiscalizatória requisitada pelo MPF foi o que ensejou a ação judicial, visando compelir judicialmente o ente público a cumprir com seu dever funcional”, explicou Renato Machado. Segundo ele, a multa pessoal ao gestor é a medida mais eficaz, pois, se imputada apenas aos cofres públicos, o agente pode se omitir, gerando prejuízos ao patrimônio público.

ACP nº 5074546-92.2025.4.02.5101 – 34ª Vara Federal

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