Na comparação com líderes de outros países, caso brasileiro chama atenção por ter sido tentativa fracassada
Por Caio Sartori | O Globo — Rio de Janeiro
Condenado por cinco crimes relacionados à tentativa de tramar contra a democracia brasileira depois da derrota eleitoral de 2022, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se junta a uma pequena lista de chefes de Estado em todo o mundo que sofreram condenações por golpe desde o pós-Segunda Guerra, em 1946. Ele é o décimo — número pequeno dentro do universo de 128 que receberam penas por todos os tipos de crime.
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Candidato a reeleição Jair Bolsonaro, concede entrevista a imprensa em 2022 — Foto: Foto Cristiano Mariz / O Globo |
Os dados foram compilados pelos pesquisadores Luciano Da Ros, da UFSC, e Manoel Gehrke, da Universidade de Pisa, no trabalho “Convicting Politicians for Corruption: The Politics of Criminal Accountability”, publicado na revista Government & Opposition, da Cambridge University Press. O levantamento em quase oito décadas de História inclui apenas condenações definidas pelo Judiciário doméstico dos países, o que descarta penas de tribunais internacionais. São, portanto, exemplos comparáveis à situação de Bolsonaro, julgado no Supremo Tribunal Federal (STF).
Além de ser o único brasileiro da lista, Bolsonaro carrega como peculiaridade o fato de ter fracassado na tentativa de virar a mesa e subverter a ordem democrática. Movimentos parecidos não costumam render condenações. A exceção na lista é Surat Huseynov, do Azerbaijão, condenado em 1999 por alta traição, tentativa de golpe de Estado e exibição de força militar ilegal por causa de episódios ocorridos entre 1993 e 1994.
— A primeira diferença do caso do Bolsonaro em relação aos outros é que é uma tentativa de golpe. Os outros todos, com exceção de um, foram golpes bem-sucedidos por pessoas que conseguiram contribuir para a ocorrência de um golpe de Estado e que depois usufruíram do poder, ou seja, permaneceram no poder depois do golpe — aponta Da Ros.
O sucesso na aplicação dos golpes, com a consequente tomada do poder, explica a diferença temporal entre a data de cometimento dos crimes e a condenação. Apenas Jeanine Añez, a boliviana que em 2019 assumiu a presidência após atitudes que a Justiça considerou “contrárias à Constituição” e “violação de deveres”, teve um intervalo tão curto quanto o de Bolsonaro, de três anos.
Na lista de sentenciados, o primeiro a figurar foi o grego Georgios Papadopoulos, que em 1975 recebeu condenação por alta traição e insurreição, junto com outros conspiradores da junta militar de 1967 que instaurou a chamada ditadura dos coronéis no país europeu.
Esses nove presidentes condenados têm entre os crimes a eles imputados alguma tipificação que deixa evidente a tentativa de ruptura em si. Não estão incluídos, portanto, ex-ditadores que foram responsabilizados apenas por práticas colocadas em curso durante os regimes que comandaram. É o caso do argentino Jorge Rafael Videla e do peruano Alberto Fujimori, condenados por diversas violações de direitos humanos e outros crimes cometidos em seus governos autoritários.
Na América Latina, observam os pesquisadores, chama atenção como tentativas fracassadas de golpe costumam passar impunes. Um exemplo recente é o de Pedro Castillo, no Peru. Em 2022, ele tentou um autogolpe por meio da dissolução do parlamento, mas fracassou. Há mais tempo, em 1993, a Guatemala passou por algo parecido: no episódio conhecido como Serranazo, o então presidente Jorge Serrano Elías empreendeu um autogolpe por meio da dissolução do Congresso e da suspensão da Constituição. Não teve, contudo, apoio popular.
— Outros presidentes que fizeram erosões democráticas acabaram de certa forma impunes — aponta Manoel Gehrke. — Alguns foram condenados por outros motivos. É curioso ver casos como o de Fujimori, condenado por outras razões, violações de direitos humanos, corrupção, mas não pelo autogolpe em si.
A fatia de condenados por golpe é pequena dentro do total de presidentes que foram sentenciados por diferentes tipos de crime nas últimas oito décadas. Desde 1946, indica a pesquisa, houve 186 condenações de 128 chefes de governo em 69 países. Entre eles, estão Luiz Inácio Lula da Silva (PT), alvo da Lava-Jato por corrupção, e Fernando Collor, cujo processo relacionado a desvios na BR Distribuidora foi transitado em julgado este ano e levou o ex-presidente à detenção — hoje, ele cumpre prisão domiciliar.
Lula é ilustrativo de como em casos de corrupção é mais comum conseguir reverter a pena. Nenhum dos condenados por golpe em outros países foi exitoso após a apresentação de recursos.
— Isso ocorre porque, em parte, as próprias instituições que condenaram e poderiam reverter as penas se sentiram ameaçadas pelo golpe em si. Tem uma coisa de afirmação institucional nesses casos — avalia Da Ros. — É diferente da corrupção, que não ameaça, digamos assim, a independência judicial como um golpe pode ameaçar.
Além de ser o único brasileiro da lista, Bolsonaro carrega como peculiaridade o fato de ter fracassado na tentativa de virar a mesa e subverter a ordem democrática. Movimentos parecidos não costumam render condenações. A exceção na lista é Surat Huseynov, do Azerbaijão, condenado em 1999 por alta traição, tentativa de golpe de Estado e exibição de força militar ilegal por causa de episódios ocorridos entre 1993 e 1994.
— A primeira diferença do caso do Bolsonaro em relação aos outros é que é uma tentativa de golpe. Os outros todos, com exceção de um, foram golpes bem-sucedidos por pessoas que conseguiram contribuir para a ocorrência de um golpe de Estado e que depois usufruíram do poder, ou seja, permaneceram no poder depois do golpe — aponta Da Ros.
O sucesso na aplicação dos golpes, com a consequente tomada do poder, explica a diferença temporal entre a data de cometimento dos crimes e a condenação. Apenas Jeanine Añez, a boliviana que em 2019 assumiu a presidência após atitudes que a Justiça considerou “contrárias à Constituição” e “violação de deveres”, teve um intervalo tão curto quanto o de Bolsonaro, de três anos.
Tentativas de rupturas
O tempo médio de demora nos nove casos compilados é de 13 anos, sendo que em alguns passa de três décadas. No Uruguai, Juan María Bordaberry só foi condenado em 2010 pelo papel central exercido no golpe de 1973.Na lista de sentenciados, o primeiro a figurar foi o grego Georgios Papadopoulos, que em 1975 recebeu condenação por alta traição e insurreição, junto com outros conspiradores da junta militar de 1967 que instaurou a chamada ditadura dos coronéis no país europeu.
Esses nove presidentes condenados têm entre os crimes a eles imputados alguma tipificação que deixa evidente a tentativa de ruptura em si. Não estão incluídos, portanto, ex-ditadores que foram responsabilizados apenas por práticas colocadas em curso durante os regimes que comandaram. É o caso do argentino Jorge Rafael Videla e do peruano Alberto Fujimori, condenados por diversas violações de direitos humanos e outros crimes cometidos em seus governos autoritários.
Na América Latina, observam os pesquisadores, chama atenção como tentativas fracassadas de golpe costumam passar impunes. Um exemplo recente é o de Pedro Castillo, no Peru. Em 2022, ele tentou um autogolpe por meio da dissolução do parlamento, mas fracassou. Há mais tempo, em 1993, a Guatemala passou por algo parecido: no episódio conhecido como Serranazo, o então presidente Jorge Serrano Elías empreendeu um autogolpe por meio da dissolução do Congresso e da suspensão da Constituição. Não teve, contudo, apoio popular.
— Outros presidentes que fizeram erosões democráticas acabaram de certa forma impunes — aponta Manoel Gehrke. — Alguns foram condenados por outros motivos. É curioso ver casos como o de Fujimori, condenado por outras razões, violações de direitos humanos, corrupção, mas não pelo autogolpe em si.
Casos de corrupção
Fora da América Latina, dois países de economias robustas protagonizaram tentativas recentes de subverter a ordem democrática que motivaram denúncias contra presidentes, mas ainda sem julgamento: a Coreia do Sul, na esteira da declaração ilegal de lei marcial em 2024, e os Estados Unidos, onde Donald Trump foi denunciado pelo ataque ao Capitólio de 6 de janeiro de 2021, parte do movimento para obstruir a eleição de Joe Biden.A fatia de condenados por golpe é pequena dentro do total de presidentes que foram sentenciados por diferentes tipos de crime nas últimas oito décadas. Desde 1946, indica a pesquisa, houve 186 condenações de 128 chefes de governo em 69 países. Entre eles, estão Luiz Inácio Lula da Silva (PT), alvo da Lava-Jato por corrupção, e Fernando Collor, cujo processo relacionado a desvios na BR Distribuidora foi transitado em julgado este ano e levou o ex-presidente à detenção — hoje, ele cumpre prisão domiciliar.
Lula é ilustrativo de como em casos de corrupção é mais comum conseguir reverter a pena. Nenhum dos condenados por golpe em outros países foi exitoso após a apresentação de recursos.
— Isso ocorre porque, em parte, as próprias instituições que condenaram e poderiam reverter as penas se sentiram ameaçadas pelo golpe em si. Tem uma coisa de afirmação institucional nesses casos — avalia Da Ros. — É diferente da corrupção, que não ameaça, digamos assim, a independência judicial como um golpe pode ameaçar.
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