A entrevista concedida pelo Diretor Jurídico da Federação Nacional dos Auditores e Fiscais de Tributos Municipais (FENAFIM), Carlos Cardoso, à Associação dos Membros dos Fiscos Municipais do Estado de Minas Gerais (AMFISCO) trouxe críticas contundentes e fundamentadas às declarações do deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ), relator da Reforma Administrativa.
Antônio Sá | Diário do Rio
Em um raro momento de clareza pública, a FENAFIM desmistificou afirmações equivocadas do parlamentar que, em entrevista, defendeu a criação de “cargo estatutário por prazo determinado” e citou, como exemplo, o cargo de “Auditor Fiscal do ISS” (Imposto sobre Serviços) alegando que, com a Reforma Tributária, a fiscalização desse imposto deixaria de existir porque tudo seria federalizado. A resposta de Carlos Cardoso foi dura: tratou-se de um “caso sério” de desinformação, que revela desconhecimento básico de Direito Constitucional, Administrativo e Tributário.
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Deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ) | Divulgação |
O Princípio Constitucional e a Essencialidade do Fisco
O ingresso por concurso público e a distinção clara entre cargos permanentes e temporários estão na base do Estado Democrático de Direito. Esse princípio é cláusula pétrea, inscrita no art. 37, II da Constituição, justamente porque garante a estabilidade do serviço público e a impessoalidade no atendimento à população.No caso dos Fiscos, a permanência é ainda mais evidente. As atribuições de fiscalização e arrecadação sustentam todas as despesas e investimentos do Estado. Tanto é assim que a Constituição reconhece a essencialidade das administrações tributárias (art. 37, XXII), determinando que suas funções sejam exercidas por servidores de carreiras específicas.
Ou seja: cargos de Fisco não podem ser comissionados, terceirizados, temporários nem exercidos por prazo determinado. São funções típicas e permanentes de Estado.
O Erro Grave: “Fiscal do ISS”
Outro equívoco do deputado foi mencionar um suposto cargo de “Fiscal do ISS”. Esse cargo simplesmente não existe. Os integrantes dos Fiscos municipais atuam sobre todos os tributos próprios, transferidos, compartilhados e, no futuro, sobre o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), criado pela EC nº 132/2023 e regulamentado pela LC nº 214/2025.O ISS não desaparecerá com a Reforma. Ele será extinto apenas em 2032, com possibilidade de lançamentos até 2037, e será substituído gradualmente pelo IBS — que não é federal, mas compartilhado entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Quando um fiscal municipal identificar um fato gerador do IBS, ajudará não apenas seu município, mas também a União, que arrecadará a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Ou seja, a lógica da dualidade do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) brasileiro exige a atuação conjunta e permanente dos Fiscos locais.
O Risco da Relatoria da Reforma Administrativa
Se Pedro Paulo demonstra tal desconhecimento sobre um tema fundamental como o Fisco, qual o risco de ser relator de uma Reforma Administrativa que afetará todas as carreiras públicas? A preocupação não é apenas dos fiscais de tributos, mas também de médicos, professores, enfermeiros, engenheiros, procuradores e tantas outras categorias.Diante disso, a FENAFIM saudou a iniciativa do Fórum Nacional para o Fortalecimento da Administração Tributária do Interior (FONAFATI), que encaminhará ofício ao Presidente da Câmara dos Deputados solicitando a substituição do relator, para que a matéria seja conduzida por alguém realmente capacitado.
Reforma Tributária: Uma Oportunidade Histórica
A entrevista também destacou que a Reforma Tributária representa uma chance única para prefeitos e secretários estruturarem seus Fiscos e garantirem o desenvolvimento local.A redistribuição das competências tributárias de 1988, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000) e a EC nº 42/2003 já haviam aberto caminhos para avanços municipais. Agora, com o IBS incidindo no destino, os municípios que valorizarem seus Fiscos sairão na frente, enquanto os que negligenciarem enfrentarão perdas de receita que podem durar meio século.
O FONAFATI: Nova Esperança
O FONAFATI surge como instrumento de resistência e transformação. Ele atuará nacionalmente em defesa dos Fiscos municipais, combatendo ingerências políticas locais, firmando parcerias com órgãos de controle e ampliando a qualificação profissional por meio de cooperações inéditas, como com a Faculdade Brasileira de Tributação.O recado é claro: sem Fisco estruturado não há arrecadação, e sem arrecadação não há serviços públicos de qualidade.
Entre a Desinformação e a Esperança
As declarações de Pedro Paulo não foram apenas um deslize retórico, mas a prova de que um relator despreparado pode colocar em risco o funcionamento do Estado brasileiro. Por isso, a reação firme da FENAFIM não é apenas legítima: é necessária.De um lado, temos a desinformação que desvaloriza carreiras essenciais. De outro, temos o FONAFATI e as entidades de classe apontando o caminho da valorização do Fisco e da justiça fiscal.
Se a Reforma Tributária pode ser a última grande oportunidade do século para fortalecer os municípios, não podemos desperdiçá-la com equívocos ou improvisos. O futuro da arrecadação, e consequentemente da cidadania, depende da seriedade com que tratamos o Fisco hoje.
Leia no sítio abaixo a entrevista completa acima comentada: http://amfisco.org.br/Entrevista%20Diretor%20Jur%C3%ADdico%20FENAFIM.html
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