Emenda de Flávio Bolsonaro tem indícios de desvio em compra de chuteiras

Recursos de emendas parlamentares do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e de uma aliada da família, a deputada Chris Tonietto (PL-RJ), foram usados para a compra de chuteiras infantis com indícios de desvio de dinheiro, mostra investigação do UOL baseada em documentos de um projeto de futebol de uma ONG em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio.


Ruben Berta | UOL, no Rio

O Ifop (Instituto de Formação Profissional José Carlos Procópio) recebeu R$ 200 mil da emenda de Flávio para o projeto Jogadores do Futuro -que ocorreu entre março do ano passado e fevereiro deste ano.

O senador Flávio Bolsonaro concede entrevista em seu gabinete | Gabriela Biló - 11.jun.25/Folhapress

Até ser contemplada com esses recursos — liberados após a assinatura de uma parceria com o Ministério do Esporte, em outubro de 2023 —, a ONG nunca havia recebido verba pública.

A prestação de contas da entidade mostra gasto de R$ 30,7 mil em 212 chuteiras e porta-chuteiras sem comprovação de entrega. Pais de alunos confirmaram ao UOL que as crianças nunca receberam o material.

Em imagens anexadas aos relatórios da ONG, jovens e crianças do projeto usam chuteiras sem padrão, tênis e chinelos.

Além disso, uniformes e acessórios esportivos foram comprados por mais que o dobro dos valores praticados no mercado. Apenas nesse projeto, o prejuízo estimado chega a R$ 52,8 mil — equivalente a mais de um quarto do valor da emenda de Flávio.

No mês seguinte, em novembro de 2023, o Ifop foi contemplado com R$ 300 mil de emenda de Chris Tonietto, próxima dos Bolsonaros, para o projeto Vencedores do Futuro.

Novamente, os relatórios da ONG não comprovam a entrega de 320 chuteiras e 313 porta-chuteiras adquiridos por R$ 46,1 mil. Foram comprados ainda 320 camisas, calções, meias e coletes, num valor de R$ 58,5 mil — na cotação feita pelo UOL, tudo sairia por R$ 24,6 mil (58% menos).

No total, as suspeitas de superfaturamento e desvio alcançam R$ 80 mil -um quarto do valor da emenda da deputada.

Flávio Bolsonaro não se manifestou. Chris Tonietto afirmou que visitou núcleos do projeto e constatou a realização de atividades, "bem como a aquisição dos materiais destinados à manutenção do projeto, como meias, shorts, uniformes e equipamentos esportivos de uso cotidiano".

"Qualquer questão relacionada a eventual sobrepreço em aquisições foi objeto de auditoria e análise do próprio Ministério do Esporte, etapa da qual o gabinete não participa."

O Ministério do Esporte informou que os projetos ainda estão em análise técnica e que pendências poderão resultar em notificações.

O Ifop disse, por meio de nota, que as compras seguiram a cotação de preços e que o material foi adquirido pelo menor preço, mas não explicou a falta de comprovação da entrega dos materiais.

Brazão também destinou emenda

Até hoje, o Ifop só recebeu as emendas de Chris Tonietto, Flávio Bolsonaro e uma terceira de Chiquinho Brazão, de R$ 1,5 milhão (em dezembro de 2023), para a realização de um projeto de aulas de informática para mulheres na Baixada Fluminense, iniciado em março deste ano.

Criada em 2008, a ONG passou a ser presidida pelo advogado José Rômulo Oliveira Alves em 2022. Em 2023, o vereador Waldir Brazão conseguiu aprovar na Câmara do Rio o título de utilidade pública para o instituto.

Apesar de não ser da família, Waldir usa o sobrenome por ser aliado dos irmãos Brazão.

Em visita feita no mês passado, o UOL encontrou a sede do Ifop fechada em um prédio comercial no centro do Rio. Um letreiro no local indicava oferta de serviços médicos, mas nada estava em funcionamento.

Empresa fornecedora ligada a outra ONG

Todos os materiais foram comprados da TH3 Comércio e Serviços, empresa aberta em 2022 e sediada no apartamento de sua dona, Thamyres Pessoa Gonçalves Corrêa, em Nova Iguaçu (RJ).

Sem histórico relevante no comércio de material esportivo, a TH3 foi a única participante das seleções do Ifop e recebeu R$ 194,1 mil (R$ 77,2 mil da emenda de Flávio e R$ 116,9 mil da de Chris). Os contratos incluíam outros itens como bolas de futebol, bambolês, cones e material gráfico.

Thamyres também é diretora de outra ONG (Instituto Educarte) que recebeu R$ 4 milhões em três emendas do ex-deputado Chiquinho Brazão.

Ela apresentou ao Ifop um documento assinado por seu marido e diretor executivo do Educarte, Eduardo Corrêa Castilho, para atestar a capacidade da empresa de fornecer o material.

Em outro contrato, a TH3 forneceu camisetas personalizadas ao projeto Mulheres Conectadas, também financiado por emenda de Brazão.

A ONG declarou, em um relatório do primeiro trimestre do projeto, ter adquirido 1.240 camisetas a R$ 52 cada uma — a quantidade é compatível com a projeção de alunas do projeto, mas o valor de cada peça é mais que o dobro do cobrado no mercado (em torno de R$ 25).

Nas notas fiscais da TH3, contudo, consta que a empresa forneceu 2.480 camisetas 
— o dobro da quantidade necessária para o projeto.

À reportagem Thamyres afirmou que cumpriu todos os contratos e que os preços levaram em conta personalização, prazos de entrega e encargos.

Citação no caso Marielle

Apesar de não constar como investigado, o Ifop chegou a ser mencionado nas apurações da PF do caso da morte de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.

Em mensagem encontrada pela PF em seu celular, Robson Calixto Fonseca, ex-assessor do ex-deputado Chiquinho Brazão, pediu, em novembro de 2024, a Maria de Fátima Bezerra Lastro, assessora de Flávio Bolsonaro, para que o projeto da ONG não terminasse.

O Jogadores do Futuro, contudo, acabou em fevereiro deste ano e até hoje não foi renovado. Brazão e Fonseca seguem presos por envolvimento nos assassinatos, aguardando julgamento do STF.

Suas defesas negam a participação deles nos crimes, mas não quiseram comentar a relação com a execução de emendas parlamentares.

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