Bolsonaro e Nikolas gravaram vídeos de apoio à eleição no Crea-MG de engenheiro preso em ação contra mineração ilegal

Atuação de Felipe Lombardi na equipe de Pacheco aconteceu anos antes dos supostos crimes; PF diz que ele era operador financeiro e 'homem da mala' do grupo


Por Lucas Altino | O Globo

O homem apontado pela Polícia Federal como "articulador interinstitucional da organização criminosa" que fraudava autorizações de mineração recebeu apoio de Jair Bolsonaro (PL) e do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) em sua tentativa de concorrer à presidência do Crea-MG, em 2023. Voluntário da campanha de Bruno Engler (PL-MG) a prefeito de Belo Horizonte, o geógrafo Gilberto Horta de Carvalho mostra, nas suas redes, proximidades com nomes importantes do bolsonarismo.

Gilberto Carvalho teve apoio de Nikolas Ferreira e Jair Bolsonaro na campanha para presidência do CREA-MG — Foto: Reprodução

Em novembro de 2023, Gilberto Horta de Carvalho teve o apoio de Nikolas Ferreira e do ex-presidente Jair Bolsonaro para as eleições do Crea (Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia) de Minas. Em um vídeo, o deputado federal pediu votos sob o argumento de Carvalho ser uma pessoa de direita.

— A gente sabe que durante muito tempo a esquerda se aparelhou nesses conselhos e a gente precisa desaparelhar isso para, no final das contas, servir a quem é de direita — disse Nikolas no vídeo, que também pediu votos para Alírio Junior, que era candidato no Confea, o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia.

Na sequência, no vídeo, Carvalho disse que sua candidatura servia para "limpar o sistema de engenheiros da esquerda". Ele perdeu a eleição para Marcos Gervásio.

Em suas redes sociais, o geógrafo mostra que trabalhou na campanha de Bruno Engler (PL-MG) para prefeito de Belo Horizonte ano passado. Procurado, Engler afirmou que ele era um voluntário.

Além disso, há fotos com diversos políticos bolsonaristas, e até imagens de apoio a Donald Trump. Sua foto de perfil no Instagram é justamente uma imagem ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro, que também pediu votos para Carvalho na campanha à presidência do Crea.

— Ninguém no mundo todo tem o potencial que nós temos em recursos minerais. Vote em conservadores e pessoas de direita que vão revolucionar de verdade esse setor tão importante para todos nós — disse Bolsonaro, no vídeo ao lado de Carvalho.

O mineiro ainda conseguiu, na mesma campanha, os apoios de Eduardo Bolsonaro, senadores Magno Malta e Cleitinho, deputado federal Marcos Feliciano e de Braga Netto, condenado no STF por golpe de estado.

— A esquerda é muito bem organizada, há muito tempo ela ocupa espaços, e nós da direita estamos começando agora a ocupar também os nossos espaços — disse Eduardo Bolsonaro em seu vídeo com Carvalho, que destacou o fato de a eleição ser on-line como um trunfo para a direita, pela capacidade de mobilização digital.

Em nota, o gabinete de Nikolas afirmou que a representação contra Salabert "teve como fundamento informações já publicadas em veículos de imprensa de grande circulação". "Trata-se, portanto, de dados públicos e de interesse coletivo, que motivaram a atuação legítima do parlamentar no exercício de sua função fiscalizatória de uma prática, no mínimo, suspeita", diz.

'Articulador interinstitucional da organização criminosa'

Carvalho foi denunciado pela PF como "articulador interinstitucional da organização criminosa". Segundo a investigação, ele teve "papel estratégico na manipulação de decisões administrativas e legislativas em favor dos interesses do grupo". Um caso em que ele mostrou influência política foi a obstrução contra o projeto de lei que tombava a Serra do Curral, o que impediria explorações minerais.

Nas conversas, João Alberto Lages, ex-deputado estadual e líder da organização, segundo a PF, pede para Carvalho articular a suspensão do andamento do projeto de lei, o que de fato aconteceu. Na sua mensagem, Lages destaca a Carvalho que o deputado Bruno Engler (PL) é membro da CCJ, e indica que ele poderia ajudá-los.

Depois, Carvalho diz que estava com a equipe de Engler, e em seguida informou, sem maiores detalhes, que o projeto foi "baixado em diligência", para celebração de Lages. Na época, o relator do projeto na CCJ, o deputado Charles Santos (Republicanos), pediu informações sobre o PL para a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Semad), e desde então o assunto não voltou mais à pauta na Assembleia.

Ao final, Lages e Carvalho marcam de "tomar um café". Segundo a PF, esse encontro "indica recebimento de vantagens indevidas pela conduta delituosa".

Procurado, Bruno Engler afirmou que, da sua parte, "não houve pedido de vista nem qualquer tipo de ato para atrasar a tramitação do projeto citado". Ele afirmou que Gilberto Carvalho era um voluntário em sua campanha.

Denúncia contra Duda Salabert

Uma denúncia de suposta irregularidade eleitoral feita ano passado pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) contra a deputada Duda Salabert (PDT-MG) teve como base um dossiê do grupo investigado pela Polícia Federal por comandar um esquema de fraude para exploração de minérios em Minas. A informação está no inquérito da Operação Rejeito. Por conta de sua postura de defesa ambiental, em oposição à mineração predatória, Salabert se tornou alvo do grupo, de acordo com a investigação.

Em novembro do ano passado, Nikolas Ferreira apresentou à Polícia Federal uma denúncia de que Duda teria usado recursos públicos da sua campanha à prefeitura para pagar ex-assessores. A notícia crime afirma que Duda teria pagado R$ 6,19 milhões a empresas ligadas a dois ex-assessores. Na época, a deputada federal negou qualquer irregularidade e disse ter seguido o trâmite de legal de exonerar seus funcionários para que eles pudessem auxiliá-la na campanha.

Agora, o inquérito da Operação Rejeito, obtido pelo OGLOBO, reuniu prints de conversas por mensagens entre integrantes do grupo denunciado que mostram a articulação para atingir Duda Salabert com a informação de suposta irregularidade eleitoral. A trama envolvia João Alberto Lages, ex-deputado estadual e apontado como líder do grupo, Gilberto Horta de Carvalo, lobista político que é próximo de Nikolas Ferreira, e Rodrigo Teixeira, ex-diretor da Polícia Federal.

O primeiro diálogo que cita Duda Salabert aconteceu ainda em 2022, quando Carvalho reclamou que a deputada estava contestando uma licença específica de mineração que foi concedida a uma empresa de interesse do grupo.

'Vou entregar essas informações para as pessoas capacitadas'

No dia 8 de outubro de 2024, João Lages enviou diversos arquivos sobre as supostas irregularidades eleitorais de Salabert a Carvalho. Na sequência, Lages pede “jornalismo investigativo em cima dela”. Em resposta, Carvalho promete que não iria revelar que Lages era a fonte daquelas informações. Ele completa afirmando que entregaria os arquivos para "pessoas capacitadas".

— Pode ficar tranquilo que eu não vou falar para ninguém, óbvio, que é você. E vou entregar essas informações para as pessoas capacitadas, que você sabe muito bem quem é, tá bom? -- disse, por áudio, Carvalho, em mensagem interceptada pela PF.

Dois dias depois, Carvalho mandou um print com a imagem da prestação de contas da campanha de Salabert para Rodrigo Teixeira, então diretor de Polícia Administrativa da Polícia Federal e ex-superintendente da PF de Minas. Ele escreve na sequência que a então candidata à prefeita recebeu R$8 milhões e gastou R$5 milhões "somente com a empresa desse ex-assessor".

Como resposta, Teixeira escreveu: "Vai ter que explicar a coincidência...". A investigação da PF diz que a amizade com Teixeira "fazia parte do capital de influência" de Carvalho. Em outra conversa, uma outra pessoa investigada, em diferente contexto, pede para Carvalho a colocar em contato com "aquele seu amigo", em referência a Teixeira.

Depois, o inquérito cita outro diálogo, do dia 22 de novembro do ano passado, entre Lages e Rodrigo Teixeira, então diretor de Polícia Administrativa da Polícia Federal e ex-superintendente da PF de Minas. Eles conversaram por chamada de voz e, uma hora depois, Lages enviou um PDF com o documento de crimes eleitorais de Salabert que havia sido encaminhado à Superintendência Regional de Polícia Federal em Minas. Teixeira reafiu com um "joinha". Para a PF, a interação sugere que Teixeira orientou Lages a como proceder com a denúncia.

Para a PF, a deputada Duda Salabert é "vista como inimiga pelo grupo de João Alberto, por levantar a bandeira contra a mineração, sobretudo na Serra do Curral."

Há ainda uma conversa entre Lages e o delegado da PF Ricardo Átila, que é seu primo e estava lotado na superintendência de Minas. Nesse diálogo, eles compartilham uma notícia de jornal sobre a denúncia de Nikolas Ferreira contra Salabert.

A denúncia de Nikolas Ferreira contra Duda Salabert foi feita dia 15 de novembro do ano passado, cerca de um mês após a conversa entre Lages e Carvalho sobre a revelação das supostas fraudes e o pedido para investigação. Desde quando eram vereadores de Belo Horizonte, Nikolas e Salabert são adversários políticos e já protagonizaram verdadeiras guerras judiciais. Em dezembro passado, o deputado foi condenado em segunda instância por transfobia por ter se referido a deputada com pronomes masculinos.

Procurado, Nikolas Ferreira afirmou que sua denúncia "teve como fundamento informações já publicadas em veículos de imprensa de grande circulação".

"Trata-se, portanto, de dados públicos e de interesse coletivo, que motivaram a atuação legítima do parlamentar no exercício de sua função fiscalizatória de uma prática, no mínimo, suspeita", enviou, em nota.

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