Motta deve enterrar a proposta de livrar Bolsonaro e os demais réus depois do julgamento no Supremo
O Globo
É responsabilidade do presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), enterrar a articulação em favor do projeto que anistia os culpados pela violência do 8 de Janeiro, cujo objetivo implícito é beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro se condenado no julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal (STF). Pela primeira vez, depois de reunião com líderes partidários, Motta admitiu pôr em pauta a proposta de anistia. “Aumentou o número de líderes pedindo”, disse. Ele deveria ser coerente com suas declarações anteriores, contrárias à ideia descabida. Não é hora de ceder a apelos demagógicos. O momento exige, de alguém que ocupa o cargo de Motta, espinha dorsal republicana e responsabilidade com a História.
A investida pela anistia ganhou corpo a partir de declarações infelizes do presidente do STF, Luís Roberto Barroso, dizendo que antes do julgamento se tratava de “impossibilidade”, mas depois se tornaria “questão política”. Quem defende livrar Bolsonaro e os demais réus adota um discurso segundo o qual só a anistia traria “pacificação” ao país. Ora, trata-se de um discurso vazio. Anistiar condenados pelo crime de golpe de Estado não leva a pacificação nenhuma, muito pelo contrário. Revigora quem defende a destruição do Estado Democrático de Direito.
Em vez de reforçar os limites da Constituição, a anistia incentiva novas intentonas e semeia confrontos. Se as penas impostas pela tentativa de ruptura institucional são canceladas, se quem comete o crime mais grave contra a democracia sai ileso, por que não tentar outra vez? O projeto de anistia ainda cria o risco de uma crise institucional sem precedentes. Se aprovado no Congresso, é mais que provável o cenário em que o Supremo considera a decisão inconstitucional, e o país mergulha numa disputa entre os dois Poderes.
Entre extrair vantagem política ou vacinar o país contra novos ataques à democracia, os arautos da anistia parecem só pensar no ganho imediato. É o caso do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que passou a atuar de forma mais explícita em favor da anistia, manchando suas credenciais republicanas. Tarcísio chegou a dizer que “não confia na Justiça”. Se a intenção é obter apoio de Bolsonaro para uma candidatura à Presidência, o risco é, ao banalizar a intentona, perder o apoio de quem o vê como representante da direita democrática.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), parece disposto a percorrer caminho alternativo. Prometeu apresentar uma proposta para atualizar a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, sem interferir no julgamento de Bolsonaro. A intenção é estabelecer tipos penais diferentes para distinguir organizadores e financiadores de atos golpistas da “massa de manobra”. Mas é preciso cuidado para evitar que o projeto se transforme em cavalo de Troia para anistiar Bolsonaro e os demais réus. O Senado só deveria apreciá-lo depois do julgamento. Eventuais tentativas de reduzir penas serão casuísticas e inaceitáveis.
O Brasil e o restante do mundo estão atentos ao que acontece no Supremo e no Congresso. Os que ocupam os maiores cargos da República não serão avaliados apenas pela opinião pública ou pelo eleitorado. Serão julgados pela História. Motta precisa ter em mente que seu legado não pode ser uma anistia àqueles que, pela primeira vez em 135 anos de República, são julgados por tramar um golpe de Estado no Brasil.
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