Repasses do Instituto de Previdência do município, em dezembro, contemplaram aliados do ex-prefeito Waguinho; parte deles ganharam cargos na atual gestão, de Márcio Canella
Por Bernardo Mello | Extra
Funcionárias da prefeitura de Belford Roxo acusadas de desviar R$ 14 milhões do Instituto de Previdência (Previde) do município na Baixada Fluminense discutiram, em uma troca de mensagens, receber comissão de 5% por seus serviços. Os diálogos constam em um inquérito conduzido pela Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), da Polícia Civil do Rio. Os repasses sob suspeita ocorreram em dezembro de 2024, na reta final da gestão do ex-prefeito Waguinho (Republicanos), que era aliado de duas dessas servidoras.
Segundo o relatório final do inquérito da Draco, assinado pelo delegado João Valentim dos Santos Neto, os R$ 14 milhões foram repassados para 539 pessoas que “não tinham qualquer vínculo legítimo” com o Previde, responsável por pagar os salários de aposentados e pensionistas do município. O GLOBO apurou que a lista de beneficiados inclui até cinco integrantes de uma mesma família, e uma série de ex-funcionários do município que faziam campanha para Waguinho. Parte desses beneficiados, no entanto, também ganhou cargos na atual gestão, de Márcio Canella (União), que acusa o antecessor de irregularidades.
Procurado, Waguinho negou irregularidades e afirmou que vem sendo alvo de “perseguição pessoal” do atual prefeito. A assessoria de Canella, por sua vez, informou que o prefeito exonerou, após o contato do EXTRA, os funcionários que receberam os repasses sob suspeita.
Os repasses do Previde ocorreram entre 4 e 27 de dezembro, segundo documentos levantados pela gestão de Canella e incluídos em uma ação de improbidade contra Waguinho. A documentação aponta que cerca de cem pessoas receberam, em um mês, quantias superiores a R$ 40 mil cada. Segundo o relatório da Draco, apenas seis das 539 pessoas beneficiadas teriam respaldo legal para receber pagamentos do Previde, “e mesmo essas apresentavam valores manifestamente incompatíveis” em suas contas.
Nomeações após eleição
Os pagamentos foram autorizados por Iolanda Curitiba de Souza Assis e Rosemery da Silva Barcellos Aleixo. Elas foram nomeadas por Waguinho, respectivamente, presidente e diretora financeira do Previde em 11 de outubro, cinco dias após a eleição de 2024 —quando o candidato apoiado pelo então prefeito, Matheus do Waguinho (Republicanos), foi derrotado por Canella.![]() |
Infografia — Foto: Extra |
Iolanda e Rosemery foram alvo em janeiro de uma operação da Polícia Civil. Os investigadores encontraram, no celular da primeira, menções a uma comissão sobre os repasses do Previde, descrita como “nossos 5%”.
“Um dos trechos recuperados faz menção explícita a um percentual de ‘5%’ que, supostamente, seria repassado às gestoras em razão da operacionalização das transferências”, diz o inquérito da Draco.
Rosemery desativou sua linha telefônica após o contato do GLOBO, sem responder aos questionamentos. O GLOBO não obteve resposta de Elenice — a prefeitura decidiu, em janeiro deste ano, cassar uma aposentadoria que ela recebia do município. Iolanda não foi localizada pela reportagem. As três e o ex-prefeito Waguinho tiveram bens bloqueados no processo movido pela prefeitura, por determinação do juiz Renzo Merci, da 3ª Vara Cível de Belford Roxo no fim de julho.
Na ação, a atual prefeitura de Belford Roxo acusa a gestão anterior de ter antecipado, em um ofício do dia 3 de dezembro, um aporte de R$ 14 milhões que o município deveria fazer em dez parcelas para o Previde. Em seguida, ao longo do mês, um valor similar deixou as contas do instituto para as 539 pessoas que, ainda de acordo com a prefeitura, não tinham direito a receber.
Entre os beneficiados está a família da ex-secretária de Infraestrutura de Belford Roxo, Suelen Corrêa de Medeiros. Ela e outros quatro parentes receberam, ao todo, R$ 441 mil em dezembro. Um dos irmãos de Suelen, Tiago Corrêa de Medeiros, foi contemplado com R$ 141 mil. Nas redes sociais, ele demonstrou apoio à candidatura de Matheus do Waguinho no ano passado. Outro irmão, Gilvan Corrêa de Medeiros, recebeu R$ 110 mil. Ambos já estiveram lotados na secretaria de Saúde na gestão de Waguinho.
O documento com a lista de repasses do Previde inclui ainda um sobrinho de Suelen, Matheus Alves de Medeiros, com R$ 100 mil, e a cunhada Erika Ascacibas Pucente, com R$ 70 mil. A ex-secretária, por sua vez, é listada como recebedora de R$ 20 mil.
Mesmo sob suspeita de fraude, Suelen foi nomeada em janeiro de 2025, por Canella, como “superintendente executiva de saneamento” na Secretaria de Obras de Belford Roxo. Procurados por telefone, Suelen e seu irmão Tiago não retornaram.
‘Lealdade’
A situação é similar à de Ronaldo da Costa Villardi, que recebeu R$ 90 mil, segundo a documentação levantada pela prefeitura. Ex-assessor da deputada federal Daniela Carneiro (União), mulher de Waguinho, Ronaldo mudou de lado neste ano: em julho, foi nomeado secretário-executivo de Educação em Belford Roxo. Na véspera da nomeação, publicou foto nas redes ao lado do chefe de gabinete da prefeitura, Marcelo Canella, irmão do atual prefeito, e escreveu que a “lealdade é a âncora invisível que sustenta as relações mais valiosas”.Após contato do EXTRA, Canella exonerou Suelen e Ronaldo. As demissões foram publicadas no Diário Oficial desta sexta-feira.
Procurado, Waguinho negou ter relação com os pagamentos e disse que sua assinatura foi falsificada no documento em que a prefeitura liberou os R$ 14 milhões para o Previde. O ex-prefeito argumentou ter se afastado do dia a dia da gestão ao ser alvo de processo de impeachment na Câmara de Vereadores, após a eleição de 2024 — o processo foi arquivado ainda em novembro —, e que vai recorrer do bloqueio de bens.
“A defesa do ex-prefeito salienta que, em breve, serão apresentados os recursos cabíveis contra as decisões que aplicaram bloqueios ilegais, os quais, diga-se de passagem, sem que esse tivesse a oportunidade de apresentar sua defesa prévia”, diz a nota enviada por Waguinho.
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